Se você é gestor de uma empresa de rastreamento veicular, talvez já tenha se deparado com um problema curioso em agosto de 2025: alguns rastreadores, principalmente de origem chinesa, começaram a enviar dados com a data de 2006.
Imagine a cena: você consulta o sistema, espera ver a rota do veículo feita hoje pela manhã, mas no relatório aparece nenhum histórico no período pois os dados reportados pelo rastreador estão registrados com datas de quase 20 anos atrás. Esse tipo de erro não só causa estranheza como também pode comprometer a confiabilidade das informações que você fornece ao seu cliente.
As consequências vão além da simples “confusão visual”. Relatórios ficam desalinhados, o histórico de viagens perde a precisão e o monitoramento em tempo real pode ser afetado, já que as plataformas de rastreamento utilizam a data e a hora para organizar as informações. Em alguns casos, isso pode até gerar retrabalho na equipe de suporte, aumentar o volume de chamadas no atendimento e, o pior, reduzir a confiança dos clientes na qualidade do serviço.
Mas afinal, por que isso acontece? Como um dispositivo aparentemente moderno pode “voltar no tempo” e registrar viagens de 2006?
Entendendo o básico: o GPS também tem “prazo de validade” na contagem de tempo
O GPS funciona de uma forma curiosa: em vez de registrar a data como fazemos no calendário (dia, mês e ano), ele utiliza um contador de semanas. Esse contador tem um limite de números que consegue registrar. Quando chega ao fim, ele simplesmente volta para o zero, como um hodômetro de carro que zera após atingir a marca máxima.
Esse “reset automático” é chamado de GPS Week Number Rollover. Ele acontece em intervalos de aproximadamente 19 anos. Ou seja, o sistema GPS, por design, já prevê que em determinados momentos da história o contador será reiniciado.
Na prática, isso significa que o mundo já passou por algumas dessas “viradas de relógio” do GPS:
-
A primeira foi em 1999, quando muitos equipamentos mais antigos começaram a exibir datas erradas.
-
A segunda aconteceu em abril de 2019, causando dor de cabeça para empresas de rastreamento que precisaram atualizar ou corrigir equipamentos que passaram a registrar dados com anos completamente fora da realidade.
-
A próxima está prevista para 2038, o que dá bastante tempo para que fabricantes e integradores se preparem.
Portanto, olhando apenas para o funcionamento oficial do GPS, não deveria haver nenhum problema em 2025. Ainda estamos bem longe da próxima virada.
E é justamente isso que torna a situação atual tão intrigante: se o GPS rollover só deveria acontecer em 2038, por que alguns rastreadores já começaram a mostrar datas erradas agora, em 2025?
Por que alguns rastreadores chineses falharam?
A explicação para o problema não está no GPS em si, mas sim na qualidade do software interno (firmware) que roda dentro de alguns equipamentos.
O firmware é, basicamente, o “cérebro” do rastreador. É ele quem interpreta as informações recebidas do satélite e as transforma em dados que chegam até o sistema de monitoramento. Quando esse software é bem projetado, tudo funciona como esperado. Mas quando ele é feito de forma simplificada ou com falhas, o resultado são erros como esse que vimos em 2025.
Infelizmente, muitos modelos de rastreadores de baixo custo sofrem exatamente com isso: falhas de programação que fazem o erro aparecer antes da hora. E os principais motivos para isso são:
1. Economia no desenvolvimento
Para reduzir custos, alguns fabricantes optaram por não seguir o padrão oficial do GPS. Em vez de usar o contador de 10 bits (que garante um rollover apenas a cada 19 anos), usaram versões menores, de 8 ou 9 bits. Isso fez com que o contador zerasse muito mais cedo — em 4 ou 9 anos, em vez de quase 20.
Na prática, esses rastreadores ficam sujeitos a falhas bem mais frequentes, o que aumenta os riscos para quem depende deles no dia a dia.
2. Erro na referência de data
Outro erro comum é usar o ano 2000 como ponto de referência, quando o correto seria o ano de 1980. Essa diferença pode parecer pequena, mas no GPS ela gera uma confusão enorme.
Assim, quando o contador reinicia, os cálculos ficam bagunçados e as datas aparecem deslocadas — em alguns casos, voltando para 2006 ou até para 1996.
3. Correções rápidas em 2019
Quando o último GPS rollover oficial aconteceu, em 2019, muitos fabricantes lançaram apenas um “remendo rápido” nos seus dispositivos.
Essas correções superficiais resolveram o problema temporariamente, mas não atacaram a raiz da falha. Resultado: agora, em 2025, os mesmos aparelhos voltaram a apresentar inconsistências, porque o contador interno zerou de novo.
Mas por que aparece justamente o ano de 2006?
Essa situação é consequência direta da forma como esses firmwares foram programados. Quando o contador de semanas é reduzido e zera antes da hora, e ao mesmo tempo a data de referência usada como base está incorreta, o rastreador simplesmente se perde na linha do tempo. O resultado é que o sistema “acredita” estar em um ano que nunca correspondeu à realidade — como 2006, por exemplo.
Em termos práticos, é como se você tivesse um calendário que só consegue contar até 12 meses. Ao final do ano, em vez de avançar corretamente para o próximo, ele volta para janeiro e ainda soma a partir de um ponto errado. Naturalmente, as datas não vão bater com a realidade, e isso gera relatórios e registros totalmente fora de contexto.
Ou seja, não existe nada de “místico” ou “inexplicável” nisso. É simplesmente um erro de cálculo interno, causado por escolhas técnicas inadequadas feitas no desenvolvimento desses rastreadores.
E o problema pode se repetir em ciclos: sempre que o contador interno atingir o limite errado programado no firmware, os dispositivos vão “viajar no tempo” novamente, exibindo anos diferentes da realidade. Isso significa que, se não houver atualização ou substituição, em alguns anos o mesmo modelo pode voltar a dar dor de cabeça.
O que isso significa para a sua empresa?
Quando um rastreador começa a registrar datas erradas, como “2006” em vez de 2025, o impacto vai muito além de uma simples inconsistência técnica. Isso afeta diretamente a confiabilidade do serviço que você entrega aos seus clientes. Veja alguns exemplos práticos:
1. Dados incorretos nos relatórios
Relatórios de rotas e históricos de viagens perdem credibilidade. Imagine entregar a um cliente um relatório de utilização da frota e ele ver que seus veículos estariam circulando “há quase 20 anos atrás”. Essa distorção não só gera dúvidas sobre a precisão das informações, como também pode prejudicar auditorias internas e externas.
2. Confusão no controle de frotas
Gestores e motoristas dependem das informações em tempo real para tomar decisões rápidas. Quando um sistema começa a mostrar datas fora da realidade, o cliente pode acreditar que a plataforma inteira está falhando. Isso mina a confiança no seu serviço e aumenta a insatisfação, mesmo que o problema esteja restrito a alguns modelos de rastreador.
3. Manutenção extra e custos inesperados
Esses erros exigem que a equipe técnica intervenha: seja para aplicar atualizações de firmware (quando disponíveis), seja para substituir completamente os dispositivos com falhas crônicas. Além do custo direto com manutenção ou troca de equipamentos, há também o custo indireto com retrabalho, tempo perdido e desgaste no relacionamento com o cliente.
Como se prevenir
Se o seu negócio depende de informações confiáveis para oferecer um bom serviço de rastreamento, é fundamental adotar medidas preventivas para evitar dores de cabeça com erros de data e falhas semelhantes. Veja os principais pontos de atenção:
1. Monitore os equipamentos
Estabeleça uma rotina de verificação nos sistemas. Sempre que notar datas fora do padrão ou registros que não fazem sentido, encare isso como um alerta de possível falha no dispositivo. Identificar cedo o problema evita que relatórios inteiros sejam comprometidos.
2. Converse com seu fornecedor
Entre em contato com o fabricante ou distribuidor dos rastreadores e pergunte se o modelo que você utiliza já recebeu uma correção definitiva de firmware. Muitas vezes, o fornecedor já sabe do problema e pode oferecer uma atualização ou até um programa de substituição. A proatividade nesse diálogo pode economizar muito tempo e dinheiro.
3. Planeje substituições estratégicas
Se os rastreadores problemáticos não tiverem solução, considere planejar a substituição gradual por equipamentos de qualidade superior. Embora pareça um custo inicial mais alto, a longo prazo isso representa menos retrabalho, menos chamados de suporte e maior satisfação dos clientes. Em outras palavras, é um investimento na confiabilidade do seu negócio.
O episódio de 2025 reforça uma lição importante: nem sempre o mais barato é o mais vantajoso.
Um rastreador de baixo custo pode até reduzir o investimento inicial, mas se começar a apresentar erros recorrentes, o prejuízo aparece em forma de:
-
mais horas gastas em manutenção,
-
clientes insatisfeitos com informações erradas,
-
e até perda de credibilidade no mercado.
Por isso, escolher bem os equipamentos de rastreamento é uma decisão estratégica. Apostar em dispositivos de fabricantes confiáveis, com suporte ativo e histórico de qualidade, é garantir que sua empresa continue entregando segurança, eficiência e confiança para os clientes.